São duas da tarde de terça-feira. A rua da Assembléia anda aos rebuliços com o público pós-almoço num vai-e-vem frenético. Entregadores de mercadoria, vendedores de bala, camelôs, pipoqueiros e panfleteiros ávidos. Carros parados em fila-dupla, regimentados por um atento guarda-municipal que antes admirava belas passantes mas agora gasta sua caneta esferográfica. Táxis passam vagarosamente como tubarões a procura de peixes. Até a carrocinha de churros ali encontra-se para completar o cenário. Uma verdadeira ópera para os olhares dos cariocas e que para um norte americano ali passante deve ser o caos generalizado, imagino eu.
Os mais variados restaurantes, lanchonetes e casas de fast food entretém-se de clientes nesta hora. Aqui, fazer um pedido é um verdadeiro desafio para o cliente. A lanchonete está cheia, muitos atendentes dividem um pequeno espaço de trabalho onde magicamente não se esbarram, e os salgadinhos da vitrine se extinguem rapidamente. Fito, com um olhar de vício, a máquina de café. Café expresso, não. Quero um carioquinha mesmo, sem flair e com aquele inconfundível aroma de padaria. O primeiro obstáculo para alcançar meu objetivo está no balcão: dentre os clientes à sua frente, não sei quem já foi servido ou não, ou quem chegou primeiro. Não tem senha, não tem fila, não tem cancela, sistema de venda ou barista. Clientes simplesmente recitam seus pedidos em voz alta às atendentes, e põe nelas a responsabilidade de respeitar a prioridade de quem chegou primeiro. Peço o meu café em voz alta e fico alerta para que o pedido não se perca. Afinal, sem café depois do almoço, eu não fico.
No inverno do Canadá, esta cena se repete em um Starbucks. A lojinha da requintada marca que já foi até protagonista em filme ("O diabo veste Prada") é líder de vendas. Lá você entra numa fila, ordeira como só ela, para fazer o seu pedido. Cada atendente tem sua função específica naquela linha de produção, sendo uma delas a de perguntar ao cliente o pedido. Não precisamos se esbarrar com outros clientes e pedir em voz alta. Carioquinha não consta no cardápio, que dispõe de novas palavras como frapuccino e chillate. Fico grato pela descrição por extenso do que se trata, a qual vem acompanhada de preços diferenciados: Tall, Grande, e Venti. Descubro que os três são tamanhos de copo pelo mostruário que se encontra no balcão. Faço a minha escolha, comunico o pedido à atendente, e não preciso ficar alerta pois sei que meu café será entregue.
Acaso trocássemos os personagens típicos destas duas cenas, presenciaríamos uma tragédia. O carioca no Starbucks sentiria ser necessário um mestrado em cafeicultura para tomar aquele cafezinho. Na vontade de tomar mais café ele pediria um outro cafezinho e dispensaria o Grande. Seria difícil pronunciar o pedido com precisão, pois a responsabilidade de assessoria é do atendente. Certamente, reclamaria do preço. Já o canadense esperaria ser chamado à frente do balcão, ou gastaria mais uns minutos a decifrar a ordem de pedidos para mostrar cordialidade com os outros clientes. Nada de errado até aí. O problema começa quando o atendente, já acostumado a receber os pedidos à torto e à direito, não aborda o cliente. Imagine então se o pedido fosse perdido. O brasileiro, com pedido errado, pagando caro. O canadense, ainda esperando pelo café. O que era para ser simples, já era. Hoje, vou tomar café em casa.
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