2013-06-08

You Are What You Think

Era este o título do livro que comprei em minha primeira conexão via Charlotte na Carolina do Norte.  Por ali a população era muito devota, e muitos eram os livros de auto-ajuda baseados com um viés cristão.  Não que  não seja cristão, pelo contrário, os valores cristãos são os que mais hoje me apego.  Saúde, família, solidariedade, amor ao próximo são todos pregados pelo cristianismo e dos quais espero que o secularismo não se esqueça.  Acreditava encontrá-los neste livro que, apesar de fiel às teorias de Carl Jung e Freud, misturava entre um parágrafo e outro uma citação bíblica.  Astuto, era seu autor, cativando os leitores locais.

Esta carcaça que carrego pelo mundo terreno nunca esteve em tão bom estado como naquela conexão -- a mente é que estava em desalinho. Apesar do meu apego pelos passaportes e cartões de embarque já coletados em viagens de outrora, aquela viagem não me trazia prazer.  Talvez chamar a situação de auto-flagelo seria exagero, mas se aproximava disso. Corpo são, mente não necessariamente sã.  Como então reverter aquela situação? 

Achava dentro de minha lógica Newtoniana que encontraria repostas ali, dentro daquele livro, para que pudesse eu mesmo solucionasse o problema.  Acreditava eu, errôneamente, que as pessoas mudavam suas perspectivas de mundo tal como a gestão de projeto: ações corretivas.  Tolice, o livro me ensinou.  Nossas perspectivas mudavam subjetivamente, conforme a nossa mente reaprendia que nossas atitudes podiam de tudo realizar.  A chave da felicidade não está do lado de fora.  Pensando positivo e buscando o melhor das situações e das pessoas, treinamo-nos a acreditar no melhor.  

Ali começava uma jornada auto-reflexiva.  Não era uma jornada momentânea, um fado.  Era uma reaprendizagem de que esta jornada fazia, sim, parte da vida.  Aqueles momentos de frente ao mar, de baixo de uma cachoeira, ou então apreciando o céu azul anil de uma noite de inverno.  Estes momentos sim eram cruciais para uma vida feliz.    

Dois anos se passaram desde que comprei aquele livro aqui. Nesta viagem, um propósito diferente.  Já com a mente sã, percebia que os americanos do Tenessee e das Carolinas tinham muito a me ensinar além daquele livro.  Uma paisagem verde musgo rica em árvores e rios cercava as curvas sinuosas de grandes rios.  Nas ruas, a música alegre e contagiante, como a de Johnny Cash.  Em cada esquina, ouvia-se um bom dia, como está?  Seguia-se um sorriso.  As pessoas eram alegres e vibrantes.

Dei o livro de presente a um amigo, não me recordo qual. Espero que possa trazer a ele os ares daqui, como trouxe pra mim.  Nós somos o que pensamos, acredite. 

2013-03-03

361 dias

Quarta-feira, 7 de Março.  Dia de sol.  Abria-se a porta e aquele som de lata de palmito fazendo tac anunciava que o ar lá de fora, quente como vapor, entrava no frio gélido de uma outra lata, o avião.     Ao primeiro passo fora do recinto, mal sabia que entrava agora em um outro mundo, onde os valores eram tão diferentes daqueles que havia vivido nos últimos anos.  Chegara, então, em terra brasilis.

Ao final de todo ano, as lojas fecham por alguns dias.  Retira-se o que não será mais ofertado ao cliente, novos produtos ocupam as prateleiras e o estoque é contado e conferido.  Meu ano terminou e, apesar de não ser uma loja, quero aproveitar para fazer o meu balanço.  O mais irônico, ou talvez vantajoso, é que faço este balanço justamente no lugar que deixei, o Canadá.  

Apesar de estar aqui de passagem, a trabalho, aproveitei para rever os amigos que havia deixado a 4 estações atrás. Algumas vidas haviam mudado, outras em status quo -- mas o importante é que continuavam em busca de seus objetivos e sonhos e, que, apesar da distância, ainda sentia que eram meus amigos. Parecia mesmo que eu nunca havia partido. E, como todo amigo que nos quer  ver feliz, a pergunta recorrente era: está feliz no Brasil? o que você gostou? o que você não gostou?  Já havia chegado pensando em fazer o tão famigerado balanço. Tais perguntas só tornavam-o mais evidente.  Era, então, hora de refletir.  Refleti.

Foi um ano emocionante. Aprendi muito sobre a vida, e como aprendi.  Eu queria me aproximar mais do lado humanista que havia perdido com o frio das relações em terras frias.  Sabia que teria tal oportunidade na américa latina e tirei proveito dela. Conhecer melhor a minha família. Entender e até compartilhar dos objetivos de vida dos meus amigos. Descobrir o que motiva as pessoas na vida.  Ver que as pessoas, em seu caminho, são tão diferentes quanto tons de cor em uma pintura impressionista. Aceitar as diferenças. Vi então que a vida não é um projeto com começo, meio e fim onde podemos controlar e planejar as coisas.  O inesperado, o acaso e as coincidências fazem parte e percebi que eu gostava deles.  A vida como ela é, já dizia Nelson Rodrigues.

Conheci um Brasil que havia sido me apresentado somente por terceiros em primeira mão.  Trabalhei lado a lado com brasileiros, conheci o mundo dos negócios, a produção de valor. Vi talento, muito talento. Vi progressistas, pessoas de vanguarda com coragem de inovar, investir e trabalhar. São muitos. Este país que acorda cedo não é tão ruim quanto a imagem que criei dele. Aqui não faltam pessoas trabalhadoras. Percebi, ali, que o desenvolvimento do Brasil não dependia de mais fomento, de mais ações governamentais na indústria para o trabalho. Estes são só fichinhas para trocar por voto. O que falta, no Brasil, é confiança e comprometimento entre as pessoas.  Assunto para outro artigo.

Por outro lado, sobra alegria. O brasileiro sorri à toa. O brasileiro conversa no ponto de ônibus. O brasileiro se relaciona. O brasileiro gosta de ver gente na rua. O brasileiro mostra pro mundo que a vida, já efêmera, perde seu propósito quando vivemos a sós.  Não é o fim, e sim a jornada que importa. E este Brasil, eu não só gosto como amo, abraço e beijo.  Ele faz parte de mim e eu, dele.

Me perguntaram onde estava a tal da felicidade. Respondi que a encontrei no caminho do auto-descobrimento, no inesperado, no mar, na natureza e naqueles que eu amo e que me amam. Coisas que não estão à compra ou venda. Se estivessem, ainda estaríamos procurando.

Por fim, só tenho a agradecer. Obrigado àqueles que estiveram do meu lado em tempos difíceis, nos desafios, nas conquistas. Obrigado àqueles que ofereceram oportunidades de trabalhar, de contribuir, adicionar valor, construir. Obrigado àqueles que compartilharam e dividiram um café, chopp ou biscoito Globo. Obrigado àqueles que me emprestaram o ouvido quando eu precisei.  Obrigado aos que trouxeram boas energias, que desejaram o bem. Obrigado aqueles que doaram sem esperar algo em troca. Lembrei de vocês.

2012-08-19

Os Elementos

São 6 horas da tarde. O vento sopra, trazendo do mar o som de cada uma das ondas junto às folhas secas de amendoeiras a arrastar-se rumo à renovação da vida. Uma areia fina, quase que virgem, sustenta meus pés. Sinto um aconchego dócil, como se aquela areia se moldasse ao meu corpo e ali fôssemos um só.

À volta, silhuetas no horizonte.  De um lado, e mais próximas, formas suaves feitas de verde e pedra delineiam o espaço entre dois azuis -- o mar e o universo.  Ao fundo, traços escuros fazem alusão ao fascínio pelo desconhecido, protegidos ao topo por degradês de amarelo-fogo envoltos em rajadas de tinta branca.  Certo de que o pintor desta obra não estava ciente de sua aptidão, o homem a transformou em cartões postais e as nomeou com temas de culinária, religião e medicina. Tolice.

Ainda que somente por aquele momento, não transpareciam rótulos.  Ali, tudo parecia virgem e não haviam partes, só o conjunto.  O valor daquela obra majestosa se mostrava infinitamente maior na composição.  Sentia-me feliz por fazer parte dela, como o grão de areia.

2012-08-18

Copa Cabana


Sair a noite no Brasil é perigoso.  Hoje mesmo um trombadinha tentou roubar o cordão de um colega de trabalho no Centro da cidade.  Porém, ainda temos muitos que se aventuram pela noite carioca, e alguns que vem parar no aqui no calçadão de Copacabana.

Nesta cidade que vai sediar a copa, o bairro mais cosmopolita da cidade parece mesmo uma cabana que abriga de tudo um pouco.  Do Leme ao Forte, em algumas pedaladas você ve muito além dos turistas omnipresentes.  Aulas de musica caribenha em pleno quiosque, com direito até a instrutor, animando os namorados, namoradas e passantes.  Aprender a dançar, à luz da lua e ao som das ondas, nem Mastercard paga.  A cena é tão inovadora que pareceria até clichê de tão romântico.  Mas vos digo, é verdade, pois eu mesmo gastei uns passos ali.

Alguns quilômetros e cruzamentos a frente, nos deparamos com uma partidinha básica de vôlei de praia.  Não, aqui no turno da noite não encontramos as duplas olímpicas, os narcisistas e os amantes pela competição ferrenha que disputam o ponto que raspou na fita.  São os amantes do esporte pelo esporte que dominam a noite, onde jogam pelo menos 5 de cada lado.  Dois contra dois seria muito esforço -- afinal, a partida é recreativa.

Aliás, hoje me deparei aqui com uma nova forma de recreação na areia: soltar pipa.  Estavam ali dois meninos, completamente despretensiosos, soltando cada um a sua pipa.  A surpresa era a direção do vento, pois ele, como sempre, não soprava na direção do mar, mas em direção aos prédios.  E lá estavam as pipas, sobre o calçadão, ora próximas dos prédios, ora próximas dos postes e as vezes até ensaindo um razante na direção dos carros na Av. Atlântica.  Sim, era perigoso até, mas o meu encantamento com aquele paradoxo era claro: soltar pipa na era do shopping e do videogame e, em plena praia? Um verdadeiro coup d'etat!

Que venham as tropas.

2012-07-06

Interface Homem-Máquina


A interface homem-maquina é o que separa o mundo virtual do mundo real.

Para aqueles que trabalham com tecnologia, isto produz uma espécie de solidão.  Pode não parecer, mas por trás de grandes sites e sistemas de informática existe um verdadeiro exército de analistas, programadores, arquitetos, e outros técnicos afins.   Este pelotão da tecnologia virtual trabalha para que possamos ter as facilidades do email, do YouTube, dos mapas virtuais e do comercio eletrônico.  Aqui estamos nós, trabalhando duro na frente da tela.  Raramente entramos em contato com as pessoas que favorecemos.

O contato humano, por outro lado, se faz inerente em profissões como médicos, advogados, garçons, e psicólogos.  Apesar de um pouco menos virtuais, estas profissões também não escapam da telinha.  O computador vira uma ferramenta permanente na sociedade que todos nós utilizamos, cada vez mais.  Uma realidade assistida, onde os detentores do conhecimento especializado auxiliam na criação de ferramentas que tornam nosso cotidiano mais simples, onde necessitamos cada vez menos de esforço para realizar tarefas corriqueiras.

A conclusão consequente é que nesta sociedade moderna houve uma mudança real no perfil daqueles que agregam valor. Especialistas em ferramentas de automação sao auxiliados por especialistas em suas indústrias na codificação das tarefas.  Gerentes certificam-se do comprometimento dos funcionários com a conclusão das tarefas.  Funcionários, então, ficam relegados a executar tarefas para as quais agregavam valor agora de uma forma automatizada.  Aos detentores de capital, resta somente o acompanhamento de seus investimentos.

2012-06-21

Um cafezinho por favor

São duas da tarde de terça-feira.  A rua da Assembléia anda aos rebuliços com o público pós-almoço num vai-e-vem frenético.  Entregadores de mercadoria, vendedores de bala, camelôs, pipoqueiros e panfleteiros ávidos.  Carros parados em fila-dupla, regimentados por um atento guarda-municipal que antes admirava belas passantes mas agora gasta sua caneta esferográfica.  Táxis passam vagarosamente como tubarões a procura de peixes.  Até a carrocinha de churros ali encontra-se para completar o cenário.  Uma verdadeira ópera para os olhares dos cariocas e que para um norte americano ali passante deve ser o caos generalizado, imagino eu.

Os mais variados restaurantes, lanchonetes e casas de fast food entretém-se de clientes nesta hora.  Aqui, fazer um pedido é um verdadeiro desafio para o cliente.  A lanchonete está cheia, muitos atendentes dividem um pequeno espaço de trabalho onde magicamente não se esbarram, e os salgadinhos da vitrine se extinguem rapidamente.  Fito, com um olhar de vício, a máquina de café.  Café expresso, não.  Quero um carioquinha mesmo, sem flair e com aquele inconfundível aroma de padaria. O primeiro obstáculo para alcançar meu objetivo está no balcão: dentre os clientes à sua frente, não sei quem já foi servido ou não, ou quem chegou primeiro.  Não tem senha, não tem fila, não tem cancela, sistema de venda ou barista.  Clientes simplesmente recitam seus pedidos em voz alta às atendentes, e põe nelas a responsabilidade de respeitar a prioridade de quem chegou primeiro.  Peço o meu café em voz alta e fico alerta para que o pedido não se perca.  Afinal, sem café depois do almoço, eu não fico.


No inverno do Canadá, esta cena se repete em um Starbucks.  A lojinha da requintada marca que já foi até protagonista em filme ("O diabo veste Prada") é líder de vendas.  Lá você entra numa fila, ordeira como só ela, para fazer o seu pedido.  Cada atendente tem sua função específica naquela linha de produção, sendo uma delas a de perguntar ao cliente o pedido.  Não precisamos se esbarrar com outros clientes e pedir em voz alta.  Carioquinha não consta no cardápio, que dispõe de novas palavras como frapuccino e chillate.  Fico grato pela descrição por extenso do que se trata, a qual vem acompanhada de preços diferenciados: Tall, Grande, e Venti.  Descubro que os três são tamanhos de copo pelo mostruário que se encontra no balcão.  Faço a minha escolha, comunico o pedido à atendente, e não preciso ficar alerta pois sei que meu café será entregue.


Acaso trocássemos os personagens típicos destas duas cenas, presenciaríamos uma tragédia.  O carioca no Starbucks sentiria ser necessário um mestrado em cafeicultura para tomar aquele cafezinho.  Na vontade de tomar mais café ele pediria um outro cafezinho e dispensaria o Grande.  Seria difícil pronunciar o pedido com precisão, pois a responsabilidade de assessoria é do atendente.    Certamente, reclamaria do preço.  Já o canadense esperaria ser chamado à frente do balcão, ou gastaria mais uns minutos a decifrar a ordem de pedidos para mostrar cordialidade com os outros clientes.  Nada de errado até aí.  O problema começa quando o atendente, já acostumado a receber os pedidos à torto e à direito, não aborda o cliente.  Imagine então se o pedido fosse perdido.  O brasileiro, com pedido errado, pagando caro. O canadense, ainda esperando pelo café.  O que era para ser simples, já era.  Hoje, vou tomar café em casa.







2012-06-20

A tecnologia e o humanismo


No último século a tecnologia permitiu ao homem grandes avanços em qualidade de vida.  Apesar de ainda existir pobreza no mundo, uma maior fração da população mundial teve acesso à cultura, educação, comunicação, e conforto.  A Internet nos permitiu maior liberdade de expressão, telefones celulares nos deram mobilidade, novos tecidos nos aquecem no inverno, carros poluem menos.  Ainda assim, não acredito que possamos dizer que o mundo de hoje é melhor que o de ontem.  Falta humanismo, compaixão.

Precisamos proporcionar à nossos filhos uma vida mais humana.  Facebook, YouTube, LinkedIn, e Twitter são excelentes ferramentas que nos auxiliam a manter contatos e vivenciar eventos à distância, mas que, a meu ver, não devem substituir o tête-à-tête.  A era digital ainda não substituiu a comunicação presencial, dos sinais corporais e faciais, do ver e sentir, do sexto-sentido e do calor humano.  A vida vida predominantemente virtual é como um videogame: nós atiramos para todo lado, destruímos cenários e inimigos, avançamos de fase, e jogamos o replay quando perdemos.  Pura ilusão.

Mesmo inconscientemente, a vida virtual nos afeta.  O mundo contemporâneo caminha cada vez mais para o "eu" e distancia-se do "nós".  As redes sociais criam uma falsa sensação de proximidade.  Para ilustrar este ponto, basta contar os amigos do Facebook que nós conhecemos pessoalmente e quantos deles nós encontramos no último ano.  E estas redes passaram a ser uma ferramenta de marketing para vender a nossa imagem do ser legal, do estar feliz. Ora, se somos felizes e legais, para que fazer propaganda disto?

De nada adianta criticar sem um plano de ação.  Porque não ensinar a nova geração valores mais humanos? Mostrar o valor do abraço, do olho-no-olho, da conversa entre pares.  O prazer de dividir, de compartilhar com o mundo.  Seríamos muito mais legais e felizes se desprendêssemos de metade de nosso tempo de Facebook e Twitter para conversar com os amigos, tocar violão, apreciar a natureza, praticar esporte e namorar.